O design foi feito pela Caixa Cultural com a participação dos artistas.
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Textos do catálogo:
A CAIXA apresenta em seu Conjunto Cultural do Rio de Janeiro a exposição coletiva " Laboratório do Tempo Presente", do Grupo Percursos, selecionada dentre as propostas inscritas no edital "Exposições 2004", que tem por objetivo apresentar em seus espaços culturais novos talentos da arte contemporânea de todas as regiões do país.
Sob curadoria de Chang Chi Chai, os oito artistas que compõem a mostra, Adilson Barbosa, Andipa Garrido, Cristina Bastos, Francisco Edilberto, Igue, Isa Bandeira, Marii Brych e Rachel Trindade, têm como ponto em comum o percurso por meio de diversas linguagens e a exploração de diferentes técnicas, construindo a pluralidade do grupo.
A CAIXA reafirma o compromisso de promover a integração e o desenvolvimento social, apoiando a produção cultural brasileira e propiciando o acesso às diversas manifestações artísticas, por meio da programação de seus Conjuntos Culturais e dos projetos pedagógicos que disponibiliza à comunidade em geral.
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Texto da Curadora: Chang Chi Chai
A exposição Laboratório do Tempo Presente traz ao público o trabalho desenvolvido no atelier do Grupo Percursos, que evidencia pesquisas através de meios como a fotografia, a arte digital, o objeto, a pintura e a performance. O percurso de cada artista, daí o nome do grupo, influencia diretamente na proposta apresentada, a pluralidade é seu ponto comum, mas a especificidade de cada integrante é imprescindível na copreensão dos trabalhos como um todo. O grupo Percursos levanta questões que dialogam com as propostas dentro do panorama contemporâneo.
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Quando as vanguardas surgiram no início do século XX, além de trazerem os questionamentos de uma arte plural, não mais submissa a normas e regras, trouxeram, também, o fortalecimento de grupos que buscavam, conjuntamente, o reforço de suas posições, a visibilidade de suas propostas e o compromisso do espectador, através de um olhar participativo. Com o passar dos tempos, estas unidades foram se fragmentando e as poéticas de seus componentes se tornaram mais individualizadas, fazendo com que a idéia de grupo se sustentasse por uma reflexão, como vemos, hoje, em Percursos.
A idéia de caminho, de trilha, de lugar por onde se passa com a intenção de se criar o percurso no próprio ato de percorrer, é o fio condutor deste grupo de artistas que, com diferentes soluções e técnicas, formas e texturas, apresenta uma intenção onde um componente místico, ou transcendente se associa a uma preocupação metafísica e se manifesta através da cor, num outro percurso: o da figuração para a abstração. O lírico e o matemático convivem. A matéria e a alma. A totalidade se revela na consistência do grupo.
As manchas de Francisco Edilberto são continentes para os registros gráficos de energia. As lâminas de rostos que percorrem quatro quadrados, como figuras místicas de um só rosto, revelam Marii Brych e quase se encontram com o cósmico e o gráfico da face, onde um olho tudo observa, através de Andipa Garrido. As "Bonecas" de Raquel, em sua superposição de caixas e cubos transparentes, se confrontam com a força e a ingenuidade expressiva de dilson Barbosa.
Isa Bandeira convida a um passeio, do pensamento à imagem, através da linguagem escrita, que remonta ao seu processo de transcrição, onde, inicialmente, os pictogramas esquematizavam desde objetos até datas e ações cotidianas até a invenção das letras. Na performance discute o caráter híbrido e sua produção cênica - teatral.
Cristina Bastos desfolha a rosa, recolhe as pétalas, toca-as como hóstias a serem oferecidas e as reconstrói como o mistério da eternidade. Igue cria interferências. Nelas o não figurativo se exprime graficamente, como escudos sucessivos, como ondas que se propagam em espirais. Todos se encontram num mesmo percuso, como se pudessem refletir em cores, formas, objetos e linhas enquanto prosseguem. Neste caminhar eles nos conduzem e somos convidados a participar desta aventura, a seguir na trilha e descobrir seu percurso.
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O grupo "Percursos" desenvolve uma concepção estética baseada em diversas linguagens, a saber,: fotografia, arte digital e video. Posto que estas inovações trazem certa dificuldade ao filósofo da arte, faz-se necessario revisitar o conceito de belo tal qual é assinalado pela tradição filosófica.
No séc. XVIII surgiu uma preocupação em se definir o que é belo, o que é arte e o que é estética, notadamente em autores como Hume e Kant. Para Hume, a beleza era apenas um grau mais elevado de fuição, ficando a depender de uma certa aptidão da pessoa que fosse apreciar a obra bela. Kant, um pouco na contramão do que acontecia na Grã-Bretanha, defendia que a beleza artística era derivada da beleza natural, sendo completamente distinta dos prazeres sensíveis que ele considerava como apenas agradáveis. Para Kant, a beleza era uma espécie de prazer formal com a justa adequação das formas.
Resta saber se estas definições de belo e de arte, erigidas pela tradição filosófica, são ainda válidas hoje em dia, quando a arte já rompeu com parâmetros clássicos do que é belo e do modo de se expressar esta beleza. Ou seja, resta saber se além de abandonarmos o universalismo estético de kant }(onde a beleza é a mesma para todos), se é necessário repensar-se o relativismo estético (onde o prazer estético é subjetivo e inimputável).
Os trabalhos de Andipa Garrido e de Francisco Edilberto nos levam a refletir sobre a insuficiência da concepção formalista de Kant, pois estes artistas pretendem representar, respectivamente, a transcendência e a energia, as quais não podem ser captadas com formas definidas. O trabalho de Cristina Bastos, em contrapartida, tem a peculiaridade de nos fazer pensar um caso não vislumbrado por Hume nem por Kant, os quais nãodispunham da matéria da matéria da qual se serve a artista, a saber: o uso de fotografias digitais manipuladas por computador.
A presente exposição do grupo "Percursos" é uma excelente oportunidade para refletirmos sobre estas questões, pois o grupo lança mão de diversos métodos, materiais e concepções subjetivas, permitindo-nos ver que hoje em dia ninguém pode querer erigir um regra de apreciação universal do que é belo, do que é estética.
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GESTALT E ARTE: Texto de João Valença - teatrólogo, psicologo e gestaltista
Uma das
tendências do ser humano é separar e agrupar as coisas que estão diante de si,
distintamente, para que o campo de sua percepção esteja sob seu domínio.
Separamos o corpo da mente, a saúde da doença, o profano do
sagrado, o belo do útil e, assim sucessivamente, vamos agrupando o mundo em
mundos, de acordo com a nossa visão do mesmo.
Agimos frente a qualquer situação de acordo com a necessidade que
se impõe num determinado momento da nossa relação com o meio. A consciência,
então, se dá para o objeto e a consciência acontece pelo nexo de sentidos que
este representa o foco da sua atenção. A relação gestáltica entre o objeto e a consciência
acontece pelo nexo de sentidos que este apresenta, em um determinado momento da
relação, dando contornos e acabamentos a situações existenciais. Nesse sentido,
a relação entre a arte e o ser acontece em planos diferentes, contudo
complementares. Mesmo para o artista que a produziu, a obra de arte adquire
vida própria, pois é uma fala autônoma para cada consciência, inclusive a sua.
Qualquer um que esteja diante de uma obra de arte, mesmo que pretendendo analisá-la,
não a conterá em sua análise. Assim, o Grupo Percurso apresenta, em seu
Laboratório do Tempo Presente, não só uma exposição de estilos, mas uma grande
provocação das consciências. A mágica da junção dos seus textos: percursos,
laboratório e presente, nessa mixagem de percepções, costuram a alma do ser, ou
seja, o total na singela e delicada aventura do "contínuo-estar-sendo".
Toda obra de arte é um apelo à consciência para a sua expansão e
para a percepção de si mesmo. A projeção que fazemos em relação à intenção do
artista revela muito mais de nós do que dele e, mesmo o artista ao analisar sua
obra estará falando mais de seus conteúdos do que da obra. Para este,
certamente, a obra escapa a sua intenção original e revela a dinâmica entre o
desejo e a existência - a lacuna e a complementaridade entre o eu e o tu. É o
laboratório do dia-a-dia, aqui ensaiado, eternizado como arte e apresentado
como desafio às consciências ávidas pela forma e pela segurança das
significações. Quem sabe um percurso a ser capitulado por esse encontro de
artistas que misturam suas individualidades, ou não, com seu público cúmplice?
Conhecer o Grupo Percurso e aceitar fazer um percurso com eles
nesse laboratório do tempo presente é fazer a experiência do movimento da
pluralidade e também do contato com essa individualidade diversa tão oculta e
tão denunciante em nossos seres. Um choque de exposições, ou, um expor-frente-a-realidadee-provocada-no-encontro.